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Raimundos: Mudando o Rock no Brasil

Por Rodrigo Clark:

Os fãs de Rock nacional (o chamado BRock) dirão que a época áurea do Rock no Brasil foram os anos 80, quando surgiram bandas de peso como Legião Urbana, Capital Inicial e Plebe Rude em Brasília, Titãs, Ira! e Ultraje a Rigor em São Paulo, Engenheiros do Hawaii em Porto Alegre e Barão Vermelho e Paralamas do Sucesso no Rio de Janeiro. O que fica silente é a timidez dos timbres daquela época. Rock de verdade tem que ter pressão, bateria furiosa, guitarra rasgada. Nos anos 80 não havia nada disso. Comprove: ouça a versão original de "Eu não matei Joana D'Arc" (Camisa de Venus) e a executada em shows a partir da década de 2000. Faça o mesmo com "Tédio" ou "Zé Ninguém" (Biquini Cavadão). A diferença é considerável. Parece que os caras tomaram coragem para fazer Rock de verdade.
Quando isso mudou? Ao meu ver, foi nos anos 90 e os principais responsáveis foram os Raimundos. O quarteto brasiliense estreou com um disco escrachado, cafageste, feladapu... Enfim, um disco dos Raimundos. O álbum de 1994 (vinte anos este ano!), intitulado com o nome da banda, apresentou pérolas como "Puteiro em João Pessoa", "Celim", "Nega Jurema" e "Palhas do Coqueiro", além da participação do forrozeiro Zenilton, autor de algumas das músicas ("O pão da minha prima" e "Rio das Pedras", por exemplo) regravadas pelos Raimundos na pegada forró-core (mistura de forró com hardcore). O disco ficou tão bom que muita gente duvidou que havia repertório para um segundo disco tão bom quanto. Mas o álbum seguinte, "Lavô tá novo" (1995), foi um sucesso ainda maior! Com canções como "I saw you saying", "Tora tora" e "Eu quero ver o oco", o disco levou a banda ao patamar das grandes bandas nacionais.
Rodolfo, Digão, Fred e Canisso começaram uma banda fazendo cover dos Ramones. Batizaram a banda como Raimundos e criaram uma identidade sonora própria, mais latente nos dois primeiros discos. Em janeiro de 1996, balançaram a Apoteose, no Rio de Janeiro, no extinto festival Hollywood Rock. Eu estava lá. Nos anos seguintes, fui a incontáveis shows dos Raimundos. Era uma banda de grande porte e os shows eram sempre cheios, mas a distância do palco ao público era mínima. Os Raimundos mantiveram um viés underground durante toda a carreira e seus shows pareciam mais uma farra em festas de amigos: tocavam pedaços de músicas, erravam e voltavam, falavam e se comportavam como se estivessem em casa, não tinham o menor comprometimento com o profissionalismo. E isso era ótimo!
Em 1997, fui a um show underground no Centro Cultural Sérgio Porto, no Humaitá, Rio de Janeiro. Abriu o show uma banda hardcore desconhecida chamada Matanza. Fechou a noite o Little Quail and the Mad Birds(precursora do Autoramas), com a promessa de participação especial do B-Negão (Planet Hemp) e do Canisso. B-Negão cantou "Let's groove", do Earth Wind & Fire, com O Little Quail, mas Canisso simplesmente não apareceu. No fim do show, o Gabriel já estava xingando o amigo baixista pelo furo. Mais tarde, lá fora, aparece Canisso tranquilão... Havia pouca gente. Fui conversar com o cara e perguntei o porquê da ausência. Ele disse que foi surfar com o Toni Garrido e esqueceu do show. Simples assim.
Uma rádio do Rio de Janeiro promoveu um show com três bandas escolhidas pelo público em 1998: Paralamas, Jota Quest e Raimundos, nesta ordem. A primeira fez um show impecável, redondo. O Jota Quest, ainda iniciante, precisava aprimorar alguns aspectos, mas fez o melhor que pôde. Já os Raimundos fizeram um ensaio no palco. E tocaram "Seek and destroy", do Metallica. Mais do que trabalhando, eles estavam se divertindo!
Nos anos seguintes, a banda lançou dois discos fracos ("Cesta básica", uma colcha de retalhos para cumprir contrato, e "Lapadas do Povo"). Seria o fim dos Raimundos? Negativo. Em 1999, saiu "Só no forevis", com "A mais pedida", "Me lambe" e, o maior sucesso do grupo, "Mulher de fases". Foi o auge da carreira da banda. Até que uma declaração inusitada dinamitou tudo: Rodolfo, o vocalista, teve algum tipo de epifania e abdicou da vida devassa para abraçar a religião evangélica. Com isso, se afastou dos Raimundos, para a tristeza de inúmeros fãs em todo o Brasil. A banda continua em atividade, mas quem é fã sabe que não é a mesma coisa. É como o Guns N' Roses sem Slash: vira outra banda.
Em 2008, no aeroporto de Congonhas, em São Paulo, esbarrei com o Rodolfo. Nós dois estávamos esperando para embarcar para Navegantes, Santa Catarina. Conversamos o tempo que deu e tirei uma foto para registrar o encontro. Ele se despediu com um "vai com deus" muito gentil. Mas naquele momento o que me veio à cabeça foi a antiga banda dele, os shows que presenciei e a renúncia que o cara fez a tudo isso. Impossível julgar as escolhas dos outros se você não vivenciou as mesmas experiências. Mas também é muito difícil de compreender.


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